Mais um caso exemplar de má gestão

<em>Certomar</em> destrói cerâmica de Tomar

Luís Gomes
Com a fome a apertar e salários por receber desde Novembro, aos 32 trabalhadores da Cerâmica da Portela, em Tomar, propriedade da Certomar Cerâmicas, não restou alternativa senão a rescisão colectiva, no dia 8.É mais um caso devido à má gestão, acusa o Sindicato dos trabalhadores do sector da cerâmica.

«Estamos fartos de promessas»

«Na última vez que aqui estivemos, havia trabalhadores a comerem arroz com arroz e sem saberem como alimentar os filhos», revelou-nos o presidente daquele sindicato da CGTP-IN, Augusto Nunes, a caminho de Tomar.
«Ainda ontem fui pedir ao administrador, Alberto Fonseca, alguma coisa para mim e a minha filha, que não tenho nada para lhe dar de comer e temos a casa por pagar», desabafou-nos a agora ex-trabalhadora, Conceição Gil, há 13 anos na fábrica, à chegada do Avante! ao local para onde estava marcado o plenário de dia 6, convocado pelo Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos e Similares do Sul e Regiões Autónomas, que tem acompanhado o processo desde o início.
Nem a Segurança Social, nem a Cáritas, nem a Câmara Municipal de Tomar, governada pelo PSD, lhe deram qualquer apoio desde Novembro, embora Conceição não consiga já contar as vezes que se deslocou a todas estas entidades a solicitar apoio urgente.
No dia anterior, o administrador «fez pouco de mim», oferecendo-lhe 20 euros para se desenrascar, dizendo-lhe para voltar lá amanhã, «como se estivesse a dar esmolas».
Tem 49 anos e viveu a mesma situação quando foi costureira, na Brás e Sobrinho que, quando fechou, obrigou-a a viver seis meses sem salário. Agora, além dela, entre os despedidos está também o marido, José Manuel, que passou da ex-proprietária da cerâmica, para onde foi há 19 anos, a Mendes Godinho, que há dois anos vendeu a propriedade da fábrica à Certomar. Ela foi para a mesma unidade há 13 anos.

Consequências da má gestão

José Jerónimo, dirigente sindical e ex-funcionário, na empresa há 37 anos e com 53 de idade recordou como o patronato sempre bloqueou as negociações com os representantes dos trabalhadores. «Estamos fartos de promessas», afirmou, lembrando que, desde o corte de electricidade de dia 25, «o escritório só funciona com um gerador que dá um prejuízo diário em gasóleo», revelou.
Segundo o dirigente sindical que tem acompanhado o processo, Mário Mendonça, o administrador Alberto Fonseca tentou convencer metade dos trabalhadores a ficarem ao serviço até Fevereiro, sem qualquer garantia de pagamento dos salários, e os operários recusaram.
Além da fome, Conceição Gil, como tantas outras trabalhadoras deste País, receia perder a casa. «Sou posta na rua e fico sem nada, depois de uma vida de trabalho. Se procuro emprego, só há para quem tem cunhas, por isso é que eu nunca acreditei em nada do que o patrão prometia. Estou com a corda ao pescoço, mas a mim não dá ele a volta», afirmou, decidida, entre sinais de apoio dos restantes trabalhadores.
«Neste País, não ganhamos o suficiente para termos algum de lado, em caso de necessidade». «Só estamos a pedir o que é nosso», afirmou a funcionária, Cátia Constantino.
Lurdes Freitas, com 12 anos de casa recordou como o patrão lhe prometeu pagar os salários em Janeiro, o que não aconteceu.
Sandra Gomes, 14 anos na empresa e 30 de idade está nesta situação com o pai, que trabalhou na fábrica durante 41 anos, e um filho de oito No dia anterior, o administrador «fez pouco de mim», oferecendo-lhe 20 euros para se desenrascar, dizendo-lhe para voltar lá amanhã, «como se estivesse a dar esmolas».

Promessas em branco

Devido à suspensão dos contratos, os trabalhadores tiveram de reunir fora das instalações da fábrica, num restaurante cedido por um outro ex-operário que, com o sindicato, deu um contributo decisivo para que, no fim do plenário e, pelo menos, desta vez, todos tenham almoçado.
Além de ter solicitado reunião urgente com a administração, o plenário também decidiu solicitar uma audiência ao Presidente da Câmara, do PSD, para apelar à autarquia que assuma a solidariedade material com os trabalhadores.
Com os salários estão também em dívida os subsídios de Natal, deste e do ano passado, mais o de férias de 2008.Ao todo são devidos, aos trabalhadores, cerca de 140 mil euros. Auferiam 450 euros mensais e as actualizações salariais estavam bloqueadas, há três anos, pelo patronato.
Na semana anterior, os trabalhadores souberam que a administração vendeu o eucaliptal anexo à fábrica de tijolo e telha por 50 mil euros, «mas continuou a dizer que não tinha dinheiro para pagar os salários», confirmou o presidente do sindicato do sector da cerâmica da CGTP-IN, Augusto Nunes.
Quando a crise começou e até à véspera desta reportagem, o administrador, Alberto Fonseca, abordava os trabalhadores, individualmente, prometendo-lhes o pagamento dos salários para breve. De novos contratos a cheques de valores diferentes conforme a conversa com cada funcionário, o que não faltaram foram «promessas em branco, só para ganhar tempo», considerou Augusto Nunes, lembrando que quem levantasse a suspensão poderia perder o direito a subsídio de desemprego, além de poderem ser despedidos posteriormente.

Gestão irresponsável

A Certomar adquiriu a fábrica, em 2006, à Mendes Godinho, comprometendo-se a garantir a viabilidade da empresa nos cinco anos seguintes e a regularizar os pagamentos dos salários mas, em Novembro, começaram os atrasos, explicou Augusto Nunes.
Então, o patrão, Alberto Fonseca, prometeu resolver o problema, incluindo nas «mais de 20 reuniões» que teve com os representantes sindicais. «Estava sempre a convidar-me para comer fora e eu sempre recusei e perguntava-lhe porque é que não convidava antes os trabalhadores», disse-nos Augusto Nunes, confirmando que «nunca foram cumpridos os compromissos que assumiu com os trabalhadores e o sindicato».
Os contratos foram suspensos pelos trabalhadores a 21 de Janeiro, para pressionarem ao pagamento, mas o patrão manteve a postura e nem respondeu à notificação emanada do sindicato para apurar os motivos do atraso.
No plenário foram recordados, por Augusto Nunes, todos os passos do processo e propôs a rescisão colectiva dos contratos. A proposta foi aprovada por unanimidade e foi dardo um último prazo, de dois dias, ao patrão, para que regulasse a situação. Sem resposta satisfatória, no dia 8, rescindiram.
A ausência de pagamentos de matéria-prima a fornecedores, impossibilitou a fábrica de contrair mais créditos bancários, acrescentou o dirigente sindical, salientando que «a fábrica tem e sempre teve mercado e encomendas para satisfazer», e que «a situação não se deve a qualquer crise no sector que, apesar das dificuldades, até esteve em expansão no ano passado», afirmou. «Ainda em Setembro, tudo o que se produziu, vendeu-se, e cumpriu-se trabalho extraordinário para que as encomendas fossem entregues a tempo mas o dinheiro, nunca os trabalhadores o viram», concluiu.
Mário Mendonça, também dirigente sindical, recordou como a administração tentou convencer metade dos trabalhadores a laborar em Janeiro, sem retribuição, enquanto a outra metade iria de férias até Fevereiro, também sem receber. A proposta foi, por todos, rejeitada. Depois, propôs que metade dos trabalhadores fossem para o fundo de desemprego «e os que ficassem, logo se veria o que receberiam», proposta que também foi naturalmente recusada pelos operários.
Na reunião de 15 de Janeiro, com os representantes sindicais, a administração argumentou que o atraso nos pagamentos se devia a atrasos num contrato firmado com uma empresa venezuelana que, supostamente, viabilizaria a fábrica. Mas o dinheiro do contrato nunca os trabalhadores o viram.
A 25 de Janeiro, a electricidade na fábrica foi cortada, inviabilizando a produção, também por falta de pagamento.
Para se compreender «o verdadeiro carácter deste tipo de patrões», Augusto Nunes revelou que o sindicato teve de mover um processo-crime contra a Certomar, por esta ter passado cinco cheques sem cobertura, relativos às quotizações sindicais, avaliadas em 2250 euros.

O patrão culpou a imprensa

Esgotada a paciência depois de meses de promessas incumpridas, os trabalhadores denunciaram a situação no jornal regional O Templário, que divulgou o caso, com destaque na primeira página, a 17 de Janeiro. Os operários também tentaram divulgar a situação à comunicação social dominante que, até ao momento, omitiu por completo a dura realidade destes trabalhadores.
A notícia explicava como, por falta de matéria-prima decorrente do não pagamento aos fornecedores, a fábrica estava parada e os trabalhadores numa grave situação social.
Num comunicado de resposta, o gerente da Certomar, Mário Marabuto, repudiou a notícia e responsabilizou o jornal por a fábrica não ter crédito, nem dos fornecedores, nem da banca, considerando que tinha sido prestado «um péssimo serviço» à empresa.
Sendo os salários e as dívidas aos fornecedores em atraso, o verdadeiro motivo das dificuldades, é espantoso que sejam atribuídas culpas à notícia, publicada mais de dois meses depois do início da crise. Para o gestor, o caso devia ser silenciado, porque «a melhor forma de resolver os problemas duma “família” é dentro do “seio da família”», escreveu.
«Mas a sua família não passa fome nem vive as dificuldades das nossas», responderam-lhe alguns trabalhadores, frente a frente, segundo nos revelaram.


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